sábado, 27 de fevereiro de 2016

A Chuva e o Silêncio


A chuva bate no telhado. A aluvião de águas caminha, continua e desesperadamente, pelas frestas e canos até o seu destino no chão. Ora mais intensa, ora com a falsa calmaria da solidão. Rompe um silêncio, rompe o teu silêncio, que brotou de um passado contínuo e desesperado pelos sentimentos que, aluviais, caminhavam pelas brechas do teu corpo até seu destino na paixão.  Foste uma tempestade que terminou em tormenta. E agora, paira o silêncio do teu sorriso, da tua fragrância e de tantos sonhos fantasiados juntos. Um silêncio tão grande que torna irrelevantes estes trovões e esta chuva que cai com insistência.

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The rain hitting the roof. The water alluvium walks, continuously and desperately, through the slots and pipes to its destination on the ground. Sometimes more intense, sometimes with the false calm of solitude. Breaks a silence, breaks your silence, which sprouted from a past continuous and desperate by the feelings that flood and walked through the breaches of your body until its destination in the passion. You were a storm that ended in storm. And now, it hovers the silence of your smile, of your fragrance and of many dreams fantasized together. Such a silence that makes these thunders and rain, that falls insistently, irrelevant.

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Velho

Por Attributed to or circle of Rembrandt - The Yorck Project: 10.000 Meisterwerke der Malerei. DVD-ROM, 2002. ISBN3936122202. Distributed by DIRECTMEDIA Publishing GmbH.Este ficheiro foi derivado deRembrandt Harmensz. van Rijn 106.jpg:, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=24475935

Cá estou na margem dos acontecimentos e posso eludir seus olhares com o vazio de palavras amenas, despidas de emoção. O tempo do amor está na tumba das minhas lembranças. O tempo dos rompantes nem chegou a existir. Apenas em alguns sonhos ou hesitações que me afastaram dos desejos juvenis. A idade sentencia meus anseios; agora fugazes, inoportunos e passados. O branco tinge minha cabeça, que pende para olhar o chão por onde passo. Não encara mais a condolência das pessoas, a gentileza protocolar e a imensa insignificância das suas expressões. Alguns amigos ainda estão por aqui, outros se foram por alguma estrada, outros por nenhum lugar.  Alguns se perderam, alguns se encontraram e eu sou convidado por sombras, nem tanto reais, a me findar. Névoas que agora espreitam uma jornada um pouco glamorosa, um pouco inútil. Eu me tornei velho e sábio e sei que nesta vida tudo vale um pouco para alguns e nada para a maioria. Destruímos mais do que construímos. Destituímos mais do que entregamos.  Mas vencemos. Chegamos nos derradeiros dias cansados, desiludidos, mas cientes de que cá estamos, onde tantos tombaram.

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I'm here on the margin of happenings and I can elude your glances with the emptiness of mild words, devoid of emotion. The time of love is inside on the tomb of my memories. The time of the outbursts didn't even exist. Just in some dreams or hesitations that kept far from juvenile desires. The age sentences my desires; now fleeting, inopportune and passed. The white dye my head, that leans to look at the floor where I step. It does not more stares at the people's condolence, protocols of kindness and the vast insignificance of their expressions. Some friends are still here, others got out for some road, others for nowhere. Some got lost, some met their tracks, and I am invited by shadows, not quite real, to end myself. Mists that now lurk a journey a little glamorous, a bit pointless. I became old and wise and I know that in this life all worth a little for some people and nothing for the most. We have destroyed more than built. We have destroyed more than deliver. But we won. We arrived in the last days tired, disillusioned, but be aware that we are here, where so many perished.

sábado, 9 de janeiro de 2016

... E diz que me ama.

Por Carsten Tolkmit from Kiel, Germany (Kiel Bay at night) [CC BY-SA 2.0 (http://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0)], undefined


Com as primeiras brisas da noite, a impressão de quietude nos abraça. O sopro suave da Natureza mal agita as folhas da árvore acima, que balançam um balé soturno, manchadas pelas sombras da noite. A algazarra dos pássaros se calou. O ir e vir das conversas cessou.  O horizonte se apagou sob um manto negro. Nem uma voz de amantes ousa desafiar a solidão. Nem uma lágrima atreve-se a revelar a tristeza.

No silêncio dos teus olhos posso ouvir as tuas súplicas. Nos desenhos do teu rosto posso moldar a tua paixão. Você me cala na tua gênese para dizer que não há um passado, nem um futuro. Há aquele momento que se apartou da eternidade para contemplar a infinitude da condição humana. Apenas vã. Poucas vezes a vi assim, sem as cornucópias da ambição, sem as certezas das convicções. Desarmada de esperanças, desalmada de sonhos.

Na tristeza da tua face posso sentir o desespero da angústia. Na mudez é quando você mais grita e diz que me ama.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

O Nada e o Mar

"Along the Coast-Alfred Bricher" by Alfred Thompson Bricher - artrenewal.org. Licensed under Public Domain via Wikimedia Commons - https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Along_the_Coast-Alfred_Bricher.jpg#/media/File:Along_the_Coast-Alfred_Bricher.jpg

O império do vazio! Não haverá subterfúgios para contemplarmos a infinitude do nada. O ser é provisório, o nada permanente. Caminho despejado dos meus pensamentos, desprovido de perguntas. É inverno e o vento lança as gotas eriçadas das cristas das ondas, que crepitam geladas na minha face. Chão úmido de sensação congelada, o mar me toca com braços amplos. Deseja-me. Abro os meus braços como prévia de amplexo para mergulhá-lo. Nego-o. Sigo meu caminho pela orla, mantendo-me no abissal desde a minha vontade e o mar. Somos apartados pelo destino. Não enfrento suas ondas e suas tempestades. Não marinho pelo seu corpo porque ela está em outro vazio. Ela? Um rosto? Não! Ela é o nada que nada pode, que nada navega, que nada sonha pelas tranças da maré que nunca a levou. Esqueço-a porque sua existência foi tão efêmera em mim, quanto este filhote de cão que agora me acompanha. Olhos grandes pedintes, mendicantes. Tenho certeza que são os meus olhos, os mesmos que lhe negam súplica. Mas ele ainda me segue, em direção ao nada que somos e seremos. Numa persistência que imita esta vida inútil. Quiçá me siga a sete palmos, quiçá no escritório teatral que protagonizo. O amplo mar e o mísero cachorro. Estou no meio disto para sempre.

São Jorge - Saint George

  Imagem gerada pelo Midjourney São Jorge! Mostraste a coragem misericordiosa que me livrou do dragão que sempre carreguei em meu coração. I...