quinta-feira, 13 de julho de 2017

Abandonado


Deitado ou largado, olho para um teto que um dia foi branco. Que um dia te acolheu como refúgio de uma vida entortada por desacertos. Como ele, hoje eu apenas desboto as lembranças que buscam os contornos do teu rosto. O mesmo rosto que acolhi no meu peito, com seus mesmos suspiros e lágrimas.

Estou largado, ou deitado, e as manchas maculam meu teto e minha saudade.

Você disse que sempre me amaria, e o brilho nos teus olhos me fez acreditar. Podia ver a mulher dentro do corpo, lutando contra suas lamúrias passadas, seus homens tortos que entorpeciam a mente com promessas juradas e fingidas. Podia ver seu embate sincero. Podia sentir o calor de sonhos de um sol, a iluminar faces e caminhos. Mas, tudo se apagou e muito tempo se passou desde o som do adeus que libertaste dos teus lábios. E esta palavra martela minha consciência. Não são os sussurros apaixonados que se deitaram comigo nesta mesma cama. Não é o "querido" salpicado tantas vezes naqueles dias que escorreram no calendário para o passado. É apenas um som. Adeus!

domingo, 9 de julho de 2017

Verdades e Mentiras


Quando foste embora, deixaste tuas verdades no meu peito, e elas doíam latejantes numa realidade que não queria. Tuas palavras calavam as minhas. O meu “eu te amo” era tão solitário, mas era minha verdade e minha mentira. Podias me mentir também que eu acreditaria. Seus carinhos ásperos vasculhavam minha pele e pareciam não me tocar. Ouvia-te como sussurros e escolhia tuas melhores frases. Ignorava todo o mais. Odiava o vulto e amava o homem até que os dois se foram. Agora a poeira levantada pelos fatos turva o horizonte onde sonho. Talvez eu te veja como silhueta na lonjura do destino, ou talvez seja apenas uma sombra do homem que aqui estava. Queria apenas verter um amor, que supunha transbordar no meu coração, para te inundar com a esperança. Mas tu odiavas futuros. Não esperaria a maré para zarpar para um longe, qualquer um longe. Não consegues sofrer com as âncoras de passado, nem com mares revoltos. Apenas vai, vai e vai. Nada te prende, nem ao menos uma súplica sincera, mesmo que mentirosa. Tua voz ainda ecoa, como ditas por um fantasma que me rouba as alucinações.

Eu deveria estar só e cantar uma cantiga antiga e triste. Deveria remoer minhas frustrações silenciosamente e chorar minhas limitações. Consterna-me perceber que minha felicidade está na mentira de um mundo perfeito e que não sou feita para verdades.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

O Meu Silêncio

By psyberartist (haunts of solitude) [CC BY 2.0 
(http://creativecommons.org/licenses/by/2.0)], via Wikimedia Commons

O meu calar extirpa minhas ideias e me deixa sozinho no amplexo deste quarto, envolto por sombras e silhuetas de objetos; por vultos estáticos que testemunham uma inconsciência fugaz dentro de um mundo amarronzado e escuro. Chamaria tudo isto de ambiente ou casa, mesmo que eu sinta que um lugar é onde se depositam corpos. Sim! Como num grande depósito de lixo humano, a cidade se estende silenciosa nesta madrugada fria e distante. Sim! Há distância entre a realidade e o desejo e há muito que se percorrer para se chegar às planícies onde o silêncio é o olhar ao invés do calar. Onde nada redunda porque se terá o que é somente necessário. Onde bastarei em mim, como um velho diante da morte. Neste lugar, morrerei num suspiro que liberta a alma para o vazio amplo e infinito e as palavras não precisarão mais ser ditas, dada a insignificância delas. Este será o momento do silêncio supremo e imperecível. Não agora.

Hoje o meu silêncio te ignora, como se deixada numa tumba do meu querer no mesmo tempo passado de onde e como abandonaste este cômodo. Ao sublimar rusgas, rasgou-me as palavras de paixão como se fosse possível amassar e destruir folhas etéreas, que somente estão em livros de lembranças na biblioteca da mente. Não se pode destruir o intangível, mas me tornaste delével, enclausurado por um sentimento renitente que atormenta minha parca razão e me deixa próximo ao limbo da loucura. Não mais a tenho, e talvez nunca a tive, mas a tua ausência me faz crer que num pequeno momento das nossas vidas, nossas paixões foram eternas. Quando o meu silêncio era apenas formado por palavras ditas para dentro, para o meu coração. Não precisávamos de som porque éramos o silêncio entre as notas musicais. Harmonizávamos duas solidões num cântico suave e atraente até entendermos que o verdadeiro calar estava no barulho que chamávamos de diálogo. Estava na compreensão de que nunca ouviríamos um ao outro, por mais que gritássemos.

domingo, 8 de janeiro de 2017

Guarde Meus Sentimentos

By Jiri Hodan [Public domain], via Wikimedia Commons

Não me é permitido dar-lhe o meu coração. Há uma eternidade dentro dele que não se contém e que eu gostaria de abortar seus momentos em tua vida. Mas não posso dar-lhe o meu coração, somente os meus sentimentos que nele estão. Apenas não os corporifico em tua pele, em teu sopro de homem. Não quero o sangue do meu coração como hemorragia da tua paixão, se debatendo dentro do meu peito para sentir-me penetrada no íntimo dos meus desejos. Quero apenas fechar os olhos para materializá-lo em suposta presença e sussurrar as vozes da minha alma. Levarei as minhas mãos até o teu rosto para nele repousar de uma vida fatigada. Quero tocá-lo com a calma dos dias vindouros, relegados à uma ausência de corpos. Quero decorar a tua face com o desenho miúdo e suave das minhas mãos. Quero sentir o teu sorriso com a sensibilidade de uma cega, que persegue o calor da tua tez, a umidade dos teus lábios e das lágrimas que sofrem a separação.  Sentirei o teu abraço a me apertar e a travessura das tuas mãos a me explorar. Ouvirei as batidas suaves do teu coração a ritmar minha vida. Ah! Você me tem não tendo; você me quer não querendo. Serei sempre apenas palavras na concessão da minha sensibilidade, que você a tem. Serei apenas uma mulher nos sons que tumultuam tua percepção, que marejam os teus olhos e embargam tua voz. E você será sempre um homem em sofrimento por não ser capaz de amar.

Então recebe os meus sentimentos e os guarde como um tesouro atemporal. Encontrará neles a jovialidade já esquecida e a maturidade que nos faz unidos pela solidão. Terás todas as chaves do que sinto para me encontrar em qualquer instante, em qualquer distância. Guarde-os como numa caixinha de música e se baile nos meus sonhos.

Por sugestão de Ana Claudia Mello

São Jorge - Saint George

  Imagem gerada pelo Midjourney São Jorge! Mostraste a coragem misericordiosa que me livrou do dragão que sempre carreguei em meu coração. I...